sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O que é Design Inteligente... e o Documento Vazado do Instituto Criacionista

O que é o Design Inteligente?

Se você assume que fomos projetados de modo ‘inteligente’ é inevitável a conclusão de se trata de um serviço muito mal feito, por um designer bastante incompetente, conclusão esta que dificilmente vai agradar um criacionista


Julio Cesar Pieczarka é pesquisador da UFPA - Jornal da Ciência


Tenho notado que sempre que surge a discussão Evolução X Criacionismo, repete-se a mesma situação: os criacionistas atacam a Teoria da Evolução e os evolucionistas tratam de defendê-la.

Na discussão seguinte, repete-se tudo de novo, não trazendo nada de novo e provavelmente aborrecendo quem não está diretamente envolvido na questão, ou seja, a maioria das pessoas. Nada se fala, porém, das propostas criacionistas.

Assim, gostaria de lançar luz sobre o outro aspecto da questão, discutindo o que é o Design Inteligente, quais suas propostas e críticas que se fazem a esta sugestão. Deste modo invertem-se desta vez os papéis, só para variar.

1) O que é o Design Inteligente?

A proposta do Design Inteligente (DI) encontra sua origem no teólogo William Pailey, que em 1831 imaginou o seguinte: se ao caminhar por uma charneca ele encontrasse uma pedra, provavelmente não daria maior atenção a ela, supondo que a mesma se encontra ali desde os princípios dos tempos.

Todavia, se ele se deparasse com um relógio, a coisa mudaria de figura, pois o relógio não é um objeto simples como a pedra. Ele leva imediatamente à idéia do relojoeiro, isto é, de uma inteligência que o projetou.

Assim, a existência de seres e/ou estruturas biológicas organizadas no mundo natural levariam à idéia de uma inteligência superior, provando a existência de Deus. Em linhas gerais, o DI propõe a mesma coisa: o design existe na natureza, levando inevitavelmente à idéia do designer.

A princípio, o designer poderia ser qualquer inteligência desconhecida pelos seres humanos, podendo ser, por exemplo, uma civilização alienígena. Porém, a preferência sempre foi por um Deus do tipo Judáico-Cristão.

Seguindo este raciocínio, a existência de estruturas complexas não seria explicável pela teoria da evolução. Behe (1997) sugere o conceito de Complexidade Irredutível. Seriam estruturas que só funcionariam se todas as suas partes estivessem presentes desde o princípio; portanto, elas não poderiam ser organizadas em um processo passo-a-passo, via seleção natural.

Um exemplo apresentado por Behe é o da ratoeira: se alguma das partes da ratoeira faltar, ela não funciona.

Deste modo, ela não teria surgido pelo aparecimento primeiro de uma parte, depois de outra, etc... pois ela só funciona no final, quando todas as partes estão presentes.

Como ela é inútil nos passos intermediários (não funciona) ela não poderia ter surgido por seleção natural, pois a seleção implica em vantagem em cada etapa.

Ele afirma existirem na natureza casos de complexidade irredutível, dando alguns exemplos, entre os quais o olho e o sistema imunológico. Outra proposta foi feita por Dembski (1998), o qual afirma que o design ocorre sempre que dois critérios são satisfeitos: complexidade e especificação. Complexidade não é o bastante, é preciso uma intenção subjacente, que indica inteligência.



2) Quais as críticas às propostas do DI?

Em primeiro lugar é preciso deixar claro que o design existe na natureza. Efetivamente a mão humana ou o sistema muscular de uma cobra, por exemplo, não são fruto do acaso. Eles desempenham uma função, para a qual foram projetados.

O grande problema com o Design Inteligente não é a idéia de design em si, é o imenso salto epistemológico em supor que este design implica necessariamente em um designer inteligente e consciente.

O design que eles detectam foi ‘projetado’, porém, por um designer não consciente, que atende pelo nome de ‘seleção natural’.

Quando se vai argumentar contra uma teoria é preciso pelo menos conhecer o que ela afirma. Infelizmente, porém, parece que os defensores do DI tem uma visão bastante errónea sobre a Teoria da Evolução, já que eles afirmam ser impossível as estruturas complexas do mundo atual serem explicadas por puro acaso.

Na realidade, um dos poucos elementos casuais na Teoria da Evolução é a mutação, que não surge em função da necessidade imediata do organismo.

No que toca à seleção natural, porém, não há nada de casual. A escolha das formas mutantes que são preservadas de modo algum é aleatória, pois a seleção é a interface entre o organismo e o meio em que ele vive.

Assim, passo a passo, as escolhas são feitas em função do ambiente e das necessidades do organismo. Estruturas paulatinamente mais complexas surgem a partir de menos complexas. Portanto, repito, o design detectado nada mais é que o resultado da seleção natural.

Alguém poderia argumentar que do mesmo modo, poderia ser atribuída a uma inteligência superior esta intenção, de modo que esta sugestão equivaleria à da seleção e, portanto, ambas teriam igual poder e tudo vira uma questão de opinião.

Não é assim, porém. A seleção natural é uma explicação baseada no mundo natural, sem necessitar de lançar mão de uma explicação sobrenatural. Um cientista deve usar a ‘Navalha de Occam’ e optar pela possibilidade mais simples e lógica.

Se uma pessoa opta pela idéia de que o design deve provir de Deus, trata-se de uma opinião dela, mas sem base científica. Deixa de ser ciência e se torna religião (até porque os designos Divinos, bem com a própria existência ou não de Deus estão fora do alcance da ciência, que não pode provar nem que Ele existe, nem que Ele não existe).

Em essência, os defensores do DI, ao detectar design na natureza nada mais fazem que detectar a evolução. O mesmo argumento serve contra Dembski, pois o processo de seleção natural tanto gera complexidade como traz em si o conceito de especificação, pois as estruturas não foram selecionadas ao acaso, mas em função das necessidades de sobrevivência específicas daquela espécie.

Carlos Ruas


O erro, volto a dizer é automaticamente supor que design implica em designer inteligente e consciente. Com relação à complexidade irredutível, efetivamente a ratoeira é um exemplo deste tipo de complexidade e que foi, portanto, projetada de modo inteligente.

Projetada por um ser humano! Mas não há exemplos na natureza deste tipo de complexidade. A literatura disponível sobre biologia molecular contradiz este conceito, ao mostrar que estruturas aparentemente irredutíveis, na verdade, podem ser decompostas em etapas, através da duplicação de alguns genes.

Efetivamente, a duplicação gênica é um fenômeno importante no processo evolutivo, pois enquanto uma cópia do gene continua fazendo sua função, a outra fica livre para sofrer alterações.

Eventualmente estas alterações levam à síntese de proteínas que complementam a função da proteína sintetizada pelo gene original. Assim, é desnecessário, do ponto de vista científico, adicionar um elemento sobrenatural a fenômenos biológicos, uma vez que dispomos de explicações coerentes com o mundo natural.

Por fim, um aspecto que incomoda os defensores do DI (Dembski, por exemplo) é a questão da imperfeição do nosso design. Pigluiucci (2001) pergunta por que temos varises, hemorróidas, dor nas costas e nos pés?

A explicação da Teoria da Evolução é a de que evoluímos para o bipedismo em época relativamente recente, de modo que nosso corpo ainda não está perfeitamente adaptado a esta postura.

Mas se você assume que fomos projetados de modo ‘inteligente’ é inevitável a conclusão de se trata de um serviço muito mal feito, por um designer bastante incompetente, conclusão esta que dificilmente vai agradar um criacionista.

Dembski não encontrou resposta para isso, apenas aceitou o fato de que nosso design não é o ótimo que se esperaria de um Deus Todo Poderoso.

Desde Platão esta questão existe, pois ele sugeria que dado o serviço de qualidade variável, o projetista do Universo não poderia ser um Deus onipotente, mas apenas um Demiurgo, um deus menor, que não tinha capacidade de gerar algo melhor do que nós temos.

3) Qual a origem do grupo que defende o DI?

A conclusão mais evidente é a de se trata de um grupo criacionista, apesar deles negarem enfaticamente. O próprio conceito de Design Inteligente (a existência de uma inteligência que projetou o design) é um conceito criacionista em sua essência, embora não seja o mesmo que afirmar que a Terra tem 6000 anos como supõe alguns criacionistas (contrariando não apenas a Teoria da Evolução, mas também toda da Paleontologia, Geologia e Astronomia).

No entanto a noção de criação é implícita à idéia do DI. Mas vamos aos fatos. Em 1968 a Suprema Corte americana considerou a proibição do ensino de evolução (que perdurou por quase todo o século XX em muitos estados americanos) como inconstitucional, pois o motivo da proibição era visivelmente de fundo religioso e violava o princípio constitucional de separação entre estado e religião.

Os criacionistas no inicio dos anos 70 começaram então a divulgar o conceito de ‘criacionismo científico’, supostamente não religioso e que requeriria pelo menos tempo igual de divulgação em sala de aula da ‘teoria rival’, a evolução (Pennock, 2003).

Algumas leis passaram em alguns estados, mas em 1987 a Suprema Corte, no caso Edwards X Aguillard, decidiu que o criacionismo científico era de fato religião, por atribuir a origem humana a um ser sobrenatural.

Diante desta nova derrota ficou claro que os criacionistas precisavam de uma nova estratégia. Assim, o que eles precisavam era de um grupo, aparentemente independente deles, que:

a) se declarasse não criacionista (para fugir à acusação de ser um grupo religioso), que

b) lutasse por legitimidade científica (para poder ser ensinado em sala de aula), legitimidade esta a ser alcançada por bem ou por mal, tentando arrombar a porta se a mesma lhes fosse fechada, acusando os cientistas de autoritários (como se legitimidade científica fosse brinde que vem em caixa de cereal) e que

c) tivesse por mote combater a Teoria da Evolução, unindo forças com os criacionistas assumidos toda vez que isso fosse vantajoso. Então, no fim dos anos 80 surgiu o movimento DI. Se alguém ler a mensagens postadas no JC e-mail (e nos sites do DI) dos defensores do DI, verá que o comportamento descrito acima é exatamente aquele que eles apresentam (se tiverem respostas do DI a esta mensagem, por favor, atentem para este detalhe).

Carlos Ruas

Estas são evidências circunstanciais. A evidência definitiva vem do documento chamado ‘The Wedge Strategy’, que estabelece as bases do movimento DI.

Este documento era interno do instituto criacionista Discovery Institute's Center for Science and Culture (CSC), mas vazou e foi publicado na internet em 2000 (Pennock, 2003). Uma cópia pode ser encontrada na página (da Universidade do Estado do Arizona)

Ele estabelece que a proposta de que os seres humanos foram criados à imagem de Deus é uma das pedras fundamentais da civilização ocidental e que esta proposta está sendo ameaçada por intelectuais materialistas, como Charles Darwin, Sigmund Freud e Karl Marx.

Assim, o CSC iria reagir, através da construção de uma alternativa às teorias materialistas. Esta construção se chamaria Design Inteligente. O documento estabelece ainda um plano estratégico a ser desenvolvido em cinco anos, compreendendo três fases:

1) Pesquisa, Redação e Publicação;

2) Publicidade e Formação de Opinião;

3) Confrontação Cultural e Renovação.

Como a primeira fase foi um fracasso retumbante (mesmo com generosas verbas para pesquisa), eles passaram direto para a segunda e terceira fases. Pelo menos em um ponto eles acertaram em cheio: ‘Sem argumentação e pesquisa sólidas, o projeto será apenas mais uma tentativa de doutrinar, ao invés de persuadir’.

Espero que os fatos e argumentos aqui apresentados contribuam para uma compreensão mais clara do que é o DI.

4) Sugestões de leitura:

a) Pró- Design Inteligente:
Behe, M. (1997). A Caixa Preta de Darwin. O Desafio da Bioquimica à Teoria da Evolução. Jorge Zahar Editor, RJ.
Dembski, W.A. (1998). The Design Inference. Cambridge University Press, Cambridge, UK.

b) Contra o Design Inteligente:
Pigluiucci, M. (2001). Design yes, Intelligent no.
http://www.csicop.org/si/2001-09/design.html

Pennock, R.T. (2003). Creationism and Intelligent Design. Annual Review of Genomics and Human Genetics 4: 143-163.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Jóias da Evolução: Processos Moleculares 4

15 Variação versus estabilidade

As espécies podem permanecer sem grandes mudanças por milhões de anos, tempo o bastante para coletarmos suas marcas no registro fóssil. Mas elas mudam também, e muitas vezes muito abruptamente. Isso levou alguns a se perguntarem se as espécies - geralmente aquelas se desenvolvendo em trajetórias específicas - guardavam oculto o potencial para a mudança abrupta, soltando uma enxurrada de variação em tempos de estresse ambiental, variação esta
sobre a qual a seleção pode atuar, e que fica encoberta em outras circunstâncias em que não há estresse.

Essa ideia de 'capacidade evolutiva' foi trazida à baila primeiramente por Suzanne Rutherford e Susan Lindquist em experimentos surpreendentes com moscas-das-frutas. Sua ideia era que proteínas-chave envolvidas na regulação de processos de desenvolvimento são 'acompanhadas' por uma proteína chamada Hsp90, que é produzida mais em tempos de estresse. Nessas situações, Hsp90 é sobrepujada por outros processos e as proteínas normalmente reguladas por ela podem circular livremente, produzindo um rebuliço de variação que de outra forma estaria oculta.

Aviv Bergman, da Faculdade Albert Einstein de Medicina em Nova York, e Mark Siegal, da Universidade de Nova York, exploraram se a capacidade evolutiva é restrita à Hsp90 ou é encontrada mais geralmente; seu estudo foi publicado em 2003. Eles usaram simulações numéricas de redes genéticas complexas e dados de expressão gênica de todo o genoma de linhagens de levedura nas quais genes individuais foram deletados. Mostraram que a maioria e talvez todos os genes guardem variação em reserva que é liberada apenas quando são funcionalmente comprometidos. Em outras palavras, parece que a capacidade evolutiva pode ser maior e mais profunda do que se vê na Hsp90.
Referências
Bergman, A. & Siegal, M. L. Nature 424, 549–552 (2003).
Recursos adicionais
Stearns, S. C. Nature 424, 501–504 (2003).
Rutherford, S. L. & Lindquist, S. Nature 396, 336–342 (1998).
Sites dos autores
Mark Siegal: http://www.nyu.edu/fas/biology/faculty/siegal/index.html
Aviv Bergman: http://www.bergmanlab.org
Susan Lindquist: http://www.wi.mit.edu/research/faculty/lindquist.html
Suzanne Rutherford: http://depts.washington.edu/mcb/facultyinfo.php?id=142
Stephen Stearns: http://www.yale.edu/eeb/stearns

Jóias da Evolução: Processos Moleculares 3

14 Resistência a toxinas em serpentes e em clame-da-areia

Os biólogos estão compreendendo cada vez mais os mecanismos moleculares subjacentes à mudança evolutiva adaptativa. Em algumas populações do tritão Taricha granulosa, por exemplo, os indivíduos acumulam o veneno neuroativo tetrodotoxina em sua pele, aparentemente como uma defesa contra a cobra Thamnophis sirtalis. As cobras dessa espécie que predam os tritões venenosos evoluíram resistência à toxina. Através de trabalho exaustivo, Shana Geffeney, da Escola de Medicina de Stanford, na Califórnia, e seus colaboradores descobriram o mecanismo por trás disso; seu estudo foi publicado em 2005. A variação no nível de resistência das cobras à sua caça venenosa pode ser delineada em mudanças moleculares que afetam a ligação da tetrodotoxina a um canal de sódio particular.

Uma seleção similar para a resistência a toxinas aparentemente ocorre nos clames-da-areia (Mya arenaria) em áreas costeiras do Atlântico Norte no continente americano, como relatado por Monica Bricelj do Instituto de Biociências Marinhas da Nova Escócia, Canadá, e seus colaboradores na mesma edição da Nature. As algas que produzem 'marés vermelhas' geram saxitoxina - uma causa de envenenamento por frutos-do-mar em humanos. Esses molucos se expõem à toxina ao ingerirem as algas. Os provenientes de áreas com marés vermelhas recorrentes são relativamente resistentes à toxina e acumulam-na em seus tecidos. Os que vivem em áreas não afetadas não evoluíram tal resistência.

A resistência à toxina nas populações expostas está correlacionada com uma única mutação no gene que codifica para um canal de sódio, num sítio já relacionado à ligação da saxitoxina. Parece provável, portanto, que a saxitoxina age como um potente agente seletivo nos clames-da-areia e leva à adaptação genética.

Esses dois estudos mostram como pressões seletivas similares podem levar a respostas adaptativas similares mesmo em táxons [unidades de classificação] muito diferentes.

Referências
Geffeney, S. L., Fujimoto, E., Brodie, E. D., Brodie, E. D. Jr, & Ruben, P. C. Nature 434, 759–763 ( 2005).
Bricelj, V. M. et al. Nature 434, 763–767 (2005).
Recursos adicionais
Mitchell-Olds, T. & Schmitt, J. Nature 441, 947–952 (2006).
Bradshaw, H. D. & Schemske, D. W. Nature 426, 176–178 (2003).
Coltman, D. W., O’Donoghue, P, Jorgenson, J. T., Hogg, J. T. Strobeck, C. & Festa-Bianchet, M. Nature 426, 655–658 (2003).
Harper Jr, G. R. & Pfennig, D. W. Nature 451, 1103–1106 (2008).
Ellegren, H. & Sheldon, B. Nature 452, 169–175 (2008).
Sites dos autores
Shana Geffeney: http://wormsense.stanford.edu/people.html
Monica Bricelj: http://marine.biology.dal.ca/Faculty_Members/Bricelj,_Monica.php

Jóias da Evolução: Processos Moleculares 2

13 Microevolução vai ao encontro da macroevolução

Darwin
concebeu a mudança evolutiva como um acontecimento dividido em passos pequenos, infinitesimais. Ele os chamou de 'gradações imperceptíveis' que, se extrapoladas a longos períodos de tempo, resultariam em mudanças radicais de forma e função. Há uma montanha de evidências para essas pequenas mudanças, chamadas de microevolução - a evolução da resistência a antibióticos, por exemplo, é apenas um de muitos casos documentados.

Podemos inferir do registro fóssil que mudanças maiores de espécie para espécie, ou macroevolução, também ocorrem, mas são naturalmente mais difíceis de se observar em ação. Porém, os mecanismos da macroevolução podem ser vistos no aqui e agora, na arquitetura dos genes. Às vezes os genes envolvidos nas vidas cotidianas dos organismos estão conectados ou são os mesmos que governam características principais na forma e no desenvolvimento dos animais. Então a evolução mais vulgar pode ter efeitos extensos.

Sean Carroll, do Instituto Médico Howard Hughes em Chevy Chase, Maryland, e seus colaboradores observaram um mecanismo molecular que contribui para o ganho de uma única mancha nas asas de machos da mosca da espécie Drosophila biarmipes; eles relataram seus achados em 2005. Os pesquisadores mostraram que a evolução dessa mancha é conectada a modificações de um elemento regulatório ancestral de um gene envolvido na pigmentação. Esse elemento regulatório adquiriu, com o tempo, sítios de ligação para fatores de transcrição que são componentes primitivos do desenvolvimento das asas. Um dos fatores de transcrição que se liga especificamente ao elemento regulatório do gene yellow é codificado pelo gene engrailed, que é um gene fundamental para o desenvolvimento como um todo.

Isso mostra que um gene envolvido em um processo pode ser cooptado para outro, em princípio conduzindo a mudança macroevolutiva.

Referência 
Gompel, N., Prud’homme, B., Wittkopp, P. J., Kassner, V. A. & Carroll, S. B. Nature 433, 481–487 (2005). 
Recursos adicionais 
Hendry, A. P. Nature 451, 779–780 (2008).
Prud’homme, B. et al. Nature 440, 1050–1053 (2006). 
Site do autor 
Sean Carroll: http://www.hhmi.org/research/investigators/carroll_bio.html 

Jóias da Evolução: Processos Moleculares 1

12 Os tentilhões das Galápagos e Darwin

Quando Charles Darwin visitou as Ilhas Galápagos, registrou a presença de várias espécies de tentilhão que tinham aparência muito similar, exceto por seus bicos. Tentilhões do solo têm bicos profundos e largos; tentilhões do cacto têm bicos longos e pontudos; tentilhões-rouxinóis têm bicos afilados e pontudos; refletindo diferenças em suas respectivas dietas. Darwin especulou que todos os tentilhões tinham um ancestral comum que tinha migrado para as ilhas. Parentes próximos dos tentilhões das Galápagos são conhecidos no continente da América do Sul, e o caso dos tentilhões de Darwin se tornou desde então o exemplo clássico de como a seleção natural levou à evolução de uma variedade de formas adaptadas a nichos ecológicos diferentes a partir de uma espécie ancestral comum - o que se chama de 'radiação adaptativa'. Essa ideia tem sido fortalecida desde então, por dados que mostram que mesmo pequenas diferenças na profundidade, largura e comprimento do bico podem ter grandes consequências para a aptidão geral das aves.

Para descobrir que mecanismos genéticos estão na base das mudanças no formato do bico que marca cada espécie, Arhat Abzhanov, da Universidade de Harvard, e seus colaboradores examinaram genes numerosos que são ativados durante o desenvolvimento dos bicos nos filhotes de tentilhão; o estudo foi publicado em 2006. Os pesquisadores descobriram que as diferenças na forma coincidem com a expressão diferenciada do gene para calmodulina, uma molécula envolvida na sinalização por cálcio, que é vital em muitos aspectos do desenvolvimento e do metabolismo. A calmodulina é expressada mais fortemente nos bicos longos e pontudos dos tentilhões do cacto do que em bicos mais robustos de outras espécies. Aumentar artificialmente a expressão da calmodulina nos tecidos embrionários que dão origem ao bico causa um alongamento da parte superior do bico, parecido com o que se observa em tentilhões do cacto. Os resultados mostram que ao menos parte da variação na forma do bico dos tentilhões de Darwin é provável que esteja relacionada à variação na atividade da calmodulina, e associam a calmodulina ao desenvolvimento de estruturas craniofaciais do esqueleto de maneira mais geral.

O estudo mostra como os biólogos estão indo além da mera documentação de mudanças evolutivas para identificar os mecanismos moleculares subjacentes a elas.

ReferênciaAbzhanov, A. et al. Nature 442, 563–567 (2006).
Sites dos autores
Clifford Tabin: http://www.hms.harvard.edu/dms/bbs/fac/tabin.html
Peter Grant: http://www.eeb.princeton.edu/FACULTY/Grant_P/grantPeter.html

Jóias da Evolução: Habitats 6

11 A história evolutiva é importante


Pensa-se, muitas vezes, que a evolução tem algo a ver com encontrar soluções ótimas para os problemas que a vida apresenta. Mas a seleção natural só pode trabalhar com os materiais disponíveis - materiais que são por sua vez os resultados de muitos milhões de anos de história evolutiva. Ela nunca começa com uma folha em branco. Se o ótimo fosse o caso, então os tetrápodos, ao se depararem com o problema de andar sobre a terra, poderiam talvez ter evoluído rodas em vez de terem suas nadadeiras transformadas em pernas.

Um caso real da engenhosidade da adaptação diz respeito a uma moreia (Muraena retifera), um predador dos recifes de coral que parece uma grande serpente. Historicamente, os peixes ósseos usam a sucção para capturar suas presas. Um peixe, ao se aproximar do alimento, abre sua boca para criar uma grande cavidade que suga água para dentro de si junto com a presa. Quando o excesso de água sai pelas fendas branquiais, o peixe leva a presa ao esôfago e às mandíbulas faringeais, que são um segundo conjunto de mandíbulas e dentes derivados do esqueleto que sustenta as brânquias. Mas as moreias têm um problema por causa de sua forma alongada e estreita. Mesmo com suas mandíbulas abertas, sua cavidade bucal é pequena demais para gerar sucção suficiente para conduzir a presa até suas mandíbulas faringeais. A solução para este impasse foi documentada em 2007.

Através de observação cuidadosa e de cinematografia de raios-X, Rita Mehta e Peter Wainwright da Universidade da Califórnia, Davis, descobriram a empolgante solução da evolução. Em vez de a presa vir às mandíbulas faringeais, as mandíbulas faringeais se projetam para a cavidade bucal, encurralando a presa e arrastando-a para dentro. Esse, dizem os pesquisadores, é o primeiro caso descrito de um vertebrado usando um segundo conjunto de mandíbulas para conter e transportar a presa, e é a única alternativa conhecida para o transporte hidráulico de presa registrado na maioria dos peixes ósseos - uma grande inovação que pode ter contribuído para o sucesso das moreias como predadores.

A mecânica das mandíbulas faringeais da moréia lembra os mecanismos de retenção usados pelas serpentes - também criaturas longas, estreitas, que fazem predação. Esse é um exemplo da convergência, o fenômeno evolutivo no qual criaturas distantemente aparentadas evoluem soluções similares para problemas comuns.

Esse estudo demonstra a natureza contingente da evolução; como um processo ela não pode desfrutar do luxo de 'projetar do nada'.
 

Referência
Mehta, R. S. & Wainwright, P. C. Nature 449, 79–82 (2007).
Recurso adicional
Westneat, M. W. Nature 449, 33–34 (2007).
Sites dos autores
Rita Mehta: http://www.eve.ucdavis.edu/~wainwrightlab/rsmehta/index.html
Peter Wainwright: http://www.eve.ucdavis.edu/~wainwrightlab

Jóias da Evolução: Habitats 5

10 Sobrevivência seletiva em lebistes selvagens

A seleção natural favorece características que aumentam a aptidão. Ao longo do tempo, poderia-se esperar que tal seleção exaurisse a variação genética por conduzir variantes genéticas vantajosas à fixação em detrimento de variantes menos vantajosas ou deletérias. Na verdade, as populações naturais apresentam frequentemente grandes quantidades de variação genética. Então como esta é mantida?

Um exemplo é o polimorfismo genético que se vê nos padrões de cor de machos de lebiste (Poecilia reticulata [peixe da família Poeciliidae]). Como relatado em 2006, Kimberly Hughes e colaboradores, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, manipularam as frequências de machos com diferentes padrões de cor em três populações selvagens de lebiste em Trinidad. Os pesquisadores mostraram que variantes raras têm taxas muito maiores de sobrevivência do que os mais comuns. Essencialmente, variantes são favorecidas quando raras, e selecionadas negativamente quando comuns.

Tal sobrevivência 'dependente de frequência', na qual a seleção favorece tipos raros, tem sido relacionada à manutenção de polimorfismos moleculares, morfológicos e relativos à saúde em humanos e em outros mamíferos.

Referência
Olendorf, R. et al. Nature 441, 633–636 (2006).
Recurso adicional
Foerster, K. et al. Nature 447, 1107–1110 (2007).
Sites dos autores
Kimberly Hughes: http://www.bio.fsu.edu/faculty-hughes.php
Anne Houde: http://www.lakeforest.edu/academics/faculty/houde
David Reznick: http://www.biology.ucr.edu/people/faculty/Reznick.html

Jóias da Evolução: Habitats 4

9 Dispersão diferencial em aves selvagens

O fluxo gênico causado pela migração, por exemplo, pode desfazer adaptações para condições locais e ir na contramão da diferenciação evolutiva dentro de uma população e entre populações. De fato, a teoria clássica da genética de populações sugere que quanto mais as populações locais migrarem e se intercruzarem, mais geneticamente similares elas serão. Esse conceito parece estar de acordo com o senso comum, assume que o fluxo gênico é um processo casual, como a difusão. Mas a dispersão não-casual pode na verdade favorecer a adaptação local e a diferenciação evolutiva, como relataram em 2005 Ben Sheldon e seus colaboradores, do Instituto Edward Gray de Ornitologia de Campo, em Oxford, Reino Unido.

O trabalho deles foi parte de um estudo multidécada sobre os chapins-reais (Parus major) que habitam um bosque em Oxfordshire, Reino Unido. Os pesquisadores descobriram que a quantidade e tipo de variação genética no peso dos ninhegos dessa ave canora difere entre uma parte do bosque e outra. Esse padrão de variação leva a respostas diversas à seleção em partes diferentes do bosque, resultando em adaptação local. O efeito é reforçado pela dispersão não-casual; aves individuais selecionam e se reproduzem em diferentes habitats de um modo que aumenta sua aptidão [fitness]. Os autores concluem que "quando o fluxo gênico não é homogêneo, a diferenciação evolutiva pode ser rápida e pode ocorrer sobre escalas espaciais surpreendentemente pequenas."

Em outro estudo sobre chapins-reais na ilha Vlieland da Holanda, publicado na mesma edição da Nature, Erik Postma e Arie van Noordwijk, do Instituto Holandês de Ecologia em Heteren, descobriram que o fluxo gênico mediado pela dispersão não-casual mantém uma grande diferença genética do tamanho das garras numa pequena escala espacial, mais uma vez ilustrando, como dizem esses cientistas, "o grande efeito da imigração na evolução de adaptações locais e na estrutura genética da população".
 
Referências
Garant, D., Kruuk, L. E. B., Wilkin, T. A., McCleery, R. H. & Sheldon, B. C. Nature 433, 60–65 (2005).
Postma, E. & van Noordwijk, A. J. Nature 433, 65-68 (2005).
Recursos adicionais
Coltman, D. W. Nature 433, 23–24 (2005).
Sites dos autores
Ben Sheldon: http://www.zoo.ox.ac.uk/egi/people/faculty/ben_sheldon.htm
Erik Postma: http://www.nioo.knaw.nl/ppages/epostma
Arie van Noordwijk: http://www.nioo.knaw.nl/PPAGES/avannoordwijk
David Coltman: http://www.biology.ualberta.ca/faculty/david_coltman

Jóias da Evolução: Habitats 3

8 Um caso de coevolução

As espécies evoluem juntas, e em competição. Predadores evoluem sempre armas e habilidades mais letais para caçarem suas presas, que por sua vez, como resultado da canônica 'luta pela existência' de Darwin, se tornam melhores em escapar, e então a corrida armamentista continua. Em 1973, o biólogo evolutivo Leigh Van Valen comparou essa corrida ao comentário da Rainha Vermelha para Alice em "Alice no País do Espelho", de Lewis Carroll: "é preciso correr o máximo que pode, para continuar no mesmo lugar. Se você quer chegar a outro lugar, precisa correr pelo menos duas vezes mais rápido que isso!" Nascia a hipótese da 'Rainha Vermelha', sobre a coevolução.

Um problema em estudar a dinâmica de Rainha Vermelha é que essa dinâmica só pode ser vista no eterno presente. Descobrir sua história é problemático, porque a evolução geralmente eliminou todos os estágios anteriores.

Felizmente, Ellen Decaestecker e seus colegas, na Universidade Católica de Leuven na Bélgica, descobriram uma notável exceção na corrida armamentista coevolutiva entre as pulgas d'água (Daphnia) e os parasitas microscópicos que as infestam; a pesquisa foi publicada em 2007. Enquanto as pulgas d'água se tornam melhores em evitar o parasitismo, os parasitas se tornam melhores em infectá-las. Ambos presa e predador, nesse sistema, podem persistir em estágios dormentes por muitos anos na lama do fundo do lago que compartilham. Os sedimentos do lago podem ser datados conforme o ano em que se formaram, e os predadores e presas enterrados podem ser ressuscitados. Assim, suas interações podem ser testadas, uma contra a outra, e contra predadores e presas provenientes de seus passados e futuros relativos.

Confirmando as expectativas teóricas, o parasita adaptou-se a seu hospedeiro ao longo de apenas alguns anos. Sua infectividade a qualquer determinado tempo mudou pouco, mas sua virulência e aptidão [fitness] cresceram constantemente - equiparadas em cada etapa pela capacidade das pulgas d'água de resistência a elas.

Esse estudo fornece um exemplo elegante no qual um registro histórico de alta resolução do processo coevolutivo providenciou uma confirmação da teoria evolutiva, mostrando que a interação entre parasitas e seus hospedeiros não é fixa no tempo, mas, alternativamente, é o resultado de uma corrida armamentista dinâmica de adaptação e contra-adaptação, conduzida pela seleção natural de geração para geração.

Referência
Decaestecker, E. et al. Nature 450, 870–873 (2007).
Recursos adicionais
The Red Queen Hypothesis: http://en.wikipedia.org/wiki/Red_Queen
Van Valen, L. Evol. Theory 1, 1–30 (1973).
Site do autor
Ellen Decaestecker: http://bio.kuleuven.be/de/dea/people_detail.php?pass_id=u0003403

Jóias da Evolução: Habitats 2

7 Seleção natural em lagartos

Uma hipótese evolutiva popular diz que mudanças comportamentais em novos ambientes anulam os efeitos da seleção natural. Mas o trabalho de Jonathan Losos e seus colaboradores na Universidade de Harvard, em 2003, empresta pouco apoio a essa teoria. Os pesquisadores introduziram um grande lagarto terrícola e predador, Leiocephalus carinatus, a seis ilhas pequenas nas Bahamas, com seis outras ilhas servindo como controle. Descobriram que a presa desse lagarto, que é um lagarto menor chamado Anolis sagrei, passava mais tempo em maiores alturas na vegetação de ilhas ocupadas pelo predador do que em ilhas onde L. carinatus estava ausente. Mas a mortalidade de A. sagrei continuou mais alta nas ilhas experimentais que nas ilhas controle.

A presença do predador maior selecionou em favor de machos de lagarto A. sagrei com pernas mais altas, que podem correr mais rápido, e também favoreceu fêmeas maiores, que são tanto mais rápidas quanto mais difíceis de vencer e de ingerir. Os pesquisadores não detectaram seleção de tamanho em machos; sugeriram que os machos maiores podem ter sido mais vulneráveis por causa de seu comportamento territorial conspícuo.

O estudo mostra como a introdução de um predador pode fazer com que os indivíduos de uma espécie predada mudem seu comportamento de modo a reduzir o risco de predação, mas também causa uma resposta evolutiva no nível da população, resposta que difere entre os sexos de acordo com sua ecologia.


Referência 
Losos, J. B., Schoener, T. W. & Spiller, D. A. Nature 432, 505–508 (2004). 
Recursos adicionais 
Butler, M. A., Sawyer, S. A. & Losos, J. B. Nature 447, 202–205 (2007). 
Kolbe, J. J. et al. Nature 431, 177–181 (2004). 
Calsbeek, R. & Smith, T. B. Nature 426, 552–555 (2003). 
Losos, J. B. et al. Nature 424, 542–545 (2003). 
Site do autor 
Jonathan Losos: http://www.oeb.harvard.edu/faculty/losos/jblosos

Jóias da Evolução: Habitats 1

6 Seleção natural na especiação

A teoria evolutiva prevê que a seleção natural disruptiva terá frequentemente um papel principal na especiação. Trabalhando com esgana-gatas (Gasterosteus aculeatus [peixes da família Gasterosteidae]), Jeffrey McKinnon
e seus colaboradores, na Universidade de Wisconsin em Whitewater, relataram em 2004 que o isolamento reprodutivo pode evoluir como um subproduto da seleção sobre o tamanho do corpo. Esse trabalho fornece um vínculo entre o estabelecimento do isolamento reprodutivo e a divergência de uma característica ecologicamente importante.

O estudo foi feito numa escala geográfica extraordinária, envolvendo testes de acasalamento entre peixes coletados no Alasca, Colúmbia Britânica, Islândia, Reino Unido, Noruega e Japão; e se sustentou em análises de genética molecular que forneceram sólidas evidências de que os peixes que se adaptaram a viver em cursos d'água evoluíram repetidamente de ancestrais marinhos, ou de peixes que vivem no oceano mas retornam à água doce para reprodução. Tais populações migratórias no estudo tinham em média corpos maiores se comparadas às que vivem em cursos d'água. Os indivíduos tenderam a se acasalar com peixes de tamanho similar ao seu, o que serve bem para o isolamento reprodutivo entre diferentes ecótipos [populações geneticamente singulares adaptadas a seu ambiente local] de cursos d'água e seus vizinhos próximos de vida marítima.

Levando em consideração as relações evolutivas, uma comparação dos vários tipos de esgana-gata, quer de cursos d'água ou marinhos, apoia fortemente a visão de que a adaptação a diferentes ambientes acarreta o isolamento reprodutivo. Os experimentos dos pesquisadores confirmaram também a conexão entre divergência de tamanho e o estabelecimento de isolamento reprodutivo - embora outras características além do tamanho também contribuam para o isolamento reprodutivo em alguma medida.
 
Referência
McKinnon, J. S. et al. Nature 429, 294–298 (2004).
Recursos Adicionais
Gillespie, R. G. & Emerson, B. C. Nature 446, 386–387 (2007).
Kocher, T. D. Nature 435, 29–30 (2005).
Emerson, B. C. & Kolm, N. Nature 434, 1015–1017 (2005).
Sites dos autores
Jeffrey McKinnon: http://facstaff.uww.edu/mckinnoj/mckinnon.html
David Kingsley: http://kingsley.stanford.edu
Dolph Schluter: http://www.zoology.ubc.ca/~schluter

Jóias da Evolução: Registros Fósseis 5

5 A origem do esqueleto dos vertebrados

Devemos muito do que nos faz humanos a um notável tecido chamado crista neural, encontrado apenas em embriões. As células da crista neural emergem da medula espinhal prematura e migram para todo o corpo, efetuando uma série de transformações importantes. Sem a crista neural, não teríamos a maioria dos ossos em nossa face e pescoço, e muitas das características de nossa pele e de nossos órgãos sensoriais. A crista neural parece ser exclusiva dos vertebrados, e ajuda a explicar por que os vertebrados têm 'cabeças' e 'faces' distintas.

Desvendar a história evolutiva da crista neural é especialmente difícil em formas fósseis, pois dados embrionários estão obviamente ausentes. Um mistério crucial, por exemplo, é saber quanto do crânio dos vertebrados provém da contribuição das células da crista neural e quanto vem de camadas mais internas de tecido.

Novas técnicas permitiram aos pesquisadores rotular e acompanhar células individuais enquanto os embriões se desenvolviam. As técnicas revelaram, até o nível das células individuais, que as bordas dos ossos do pescoço e do ombro derivam da crista neural. O tecido derivado da crista neural ancora a cabeça na superfície anterior da cintura escapular, enquanto o esqueleto que forma a parte de trás do pescoço e dos ombros [escápulas e clavículas] cresce de uma camada mais interna de tecido chamada mesoderme.

Tal mapeamento detalhado, em animais vivos, esclarece a evolução de estruturas em cabeças e pescoços de animais extintos há tempos, mesmo sem tecido mole fossilizado, como pele e músculo
. 

Referência
Matsuoka, T. et al. Nature 436, 347–355 (2005).
Site do autor 
Georgy Koentges: http://www2.warwick.ac.uk/fac/sci/systemsbiology

Jóias da Evolução - Registros Fósseis 4

4 A história evolutiva dos dentes


 Uma motivação para o estudo do desenvolvimento é a descoberta de mecanismos que guiam a mudança evolutiva. Kathryn Kavanagh e seus colaboradores, da Universidade de Helsinki, investigaram justamente isso observando os mecanismos por trás do tamanho relativo e número de dentes molares em camundongos. A pesquisa, publicada em 2007, desvendou o padrão de expressão dos genes que governam o desenvolvimento dos dentes - os molares emergem da parte da frente para a parte de trás, com cada novo dente sendo menor que o último a emergir.

A beleza deste estudo está em sua aplicação. O modelo dos pesquisadores prevê os padrões de dentição encontrados em espécies de roedores semelhantes aos camundongos, com várias dietas, fornecendo um exemplo de evolução ecologicamente guiada por uma trajetória favorecida no desenvolvimento. Em geral, o trabalho mostra como o padrão de expressão gênica pode ser modificado durante a evolução para produzir mudanças adaptativas em sistemas naturais.
Referência
Kavanagh, K. D., Evans, A. R. & Jernvall, J. Nature 449, 427–432 (2007).
Recursos adicionais
Polly, P. D. Nature 449, 413–415 (2007).
Evans, A. R., Wilson, G. P., Fortelius, M. & Jernvall, J. Nature 445, 78–81 (2006).
Kangas, A. T., Evans, A. R., Thesleff, I. & Jernvall, J. Nature 432, 211–214 (2004).
Jernvall, J. & Fortelius, M. Nature 417, 538–540 (2002).
Theodor, J. M. Nature 417, 498–499 (2002).
Site do autor
Jukka Jernvall: http://www.biocenter.helsinki.fi/bi/evodevo

Jóias da Evolução: Registros Fósseis 3

3 A origem das penas 

Uma das objeções à teoria da evolução de Charles Darwin era a ausência de 'formas transicionais' no registro fóssil - formas que ilustrassem a evolução em ação, de um grande grupo de animais para outro. Entretanto, quase um ano após a publicação de Origem das Espécies, uma pena isolada foi achada no Jurássico Superior do calcário litográfico de Solnhofen (com idade de cerca de 150 milhões de anos), na Bavária. Em seguida, em 1861, foi encontrado o primeiro fóssil de Archaeopteryx, uma criatura com muitas características reptilianas primitivas, tais como dentes e uma longa cauda óssea, mas com asas e penas de voo, exatamente como uma ave. 

Embora o Archaeopteryx fosse comumente visto como a primeira ave conhecida, muitos suspeitaram que ele fosse melhor descrito como um dinossauro com penas. Thomas Henry Huxley, colega e amigo de Darwin, discutiu a possível ligação evolutiva entre dinossauros e aves, e paleontólogos especularam, talvez com ousadia, que dinossauros com penas poderiam ser achados um dia. 

De todos os animais, estamos mais familiarizados com os tetrápodos - eles são vertebrados (têm coluna vertebral) e vivem sobre a terra. Incluem-se nisso humanos, quase todos os animais domésticos e a maioria dos animais selvagens que uma criança reconheceria imediatamente: mamíferos, aves, anfíbios e répteis. A vasta maioria dos vertebrados, entretanto, não é de tetrápodos, mas de peixes. Há mais tipos de peixes, na verdade, que todas as espécies de tetrápodos somadas. De fato, pela lente da evolução, os tetrápodos são apenas mais um ramo da árvore genealógica dos peixes, um ramo cujos membros são adaptados para a vida fora da água. 

A primeira transição da água para a terra aconteceu há mais de 360 milhões de anos. Foi uma das transições que necessitou de algumas das maiores mudanças já feitas na história da vida. Como nadadeiras se tornaram pernas? E como as criaturas transicionais lidaram com as formidáveis exigências da vida terrestre, da secura do ambiente à esmagadora gravidade? 

Pensava-se que os primeiros terrícolas foram peixes que se encalhavam e evoluíram de modo a passar mais e mais tempo em terra firme, voltando à água para se reproduzirem. Ao longo dos últimos 20 anos, paleontólogos desenterraram fósseis que viraram essa ideia de cabeça para baixo. Os tetrápodos mais antigos, tais como o Acanthostega da Groenlândia oriental de cerca de 365 milhões de anos atrás, tinham pernas completamente formadas, com dedos, mas retiveram brânquias internas que se secariam facilmente se fossem expostas por muito tempo ao ar. Os peixes evoluíram pernas muito tempo antes de subirem à terra. Os tetrápodos mais antigos passaram a maior parte de sua evolução no ambiente aquático mais clemente. Subir à terra parece ter sido a última etapa. 

Os pesquisadores suspeitam que os ancestrais dos tetrápodos eram criaturas chamadas elpistostegídeos. Esses peixes grandes, carnívoros de água rasa, se pareceriam bastante (até no comportamento) com jacarés ou salamandras gigantes. Eles aparentavam ser tetrápodos em muitos aspectos, exceto pelas nadadeiras que ainda tinham. Até recentemente, os elpistostegídeos eram conhecidos apenas por pequenos fragmentos de fósseis pobremente preservados, então foi difícil completar um esboço de como eles eram. 

De poucos anos atrás até aqui, várias descobertas na ilha Ellesmere na região de Nunavut no norte do Canadá mudaram tudo isso. Em 2006, Edward Daeschler e seus colaboradores descreveram fósseis espetacularmente bem preservados de um elpistostegídeo conhecido como Tiktaalik, que nos permite reconstruir uma boa imagem de um predador aquático com similaridades distintas com os tetrápodos - de seu pescoço flexível à sua estrutura de barbatana semelhante a um membro. 

A descoberta e a análise exaustiva do Tiktaalik iluminam a etapa anterior à evolução dos tetrápodos, e mostram como o registro fóssil é uma caixa de surpresas, embora as surpresas sejam completamente compatíveis com o pensamento evolutivo. 

Nos anos 80 [do século XX], depósitos do período do Cretáceo Inferior (cerca de 125 milhões de anos atrás) na província de Liaoning no norte da China sustentaram essas especulações da forma mais dramática, com descobertas de aves primitivas em abundância - junto com dinossauros com penas e com plumagem semelhante e penas. Começando com a descoberta do pequeno terópode Sinosauropteryx por Pei-ji Chen e colaboradores, do Instituto Nanjing de Geologia e Paleontologia da China, uma variedade de formas cobertas por penas foram encontradas em seguida. Muitos desses dinossauros com penas não podiam possivelmente voar, mostrando que as penas evoluíram primeiramente por outras razões que não o voo, possivelmente para displays sexuais [como faz o pavão] ou isolamento térmico, por exemplo. Em 2008, Fucheng Zhang e seus colegas da Academia Chinesa de Ciências em Pequim anunciaram a bizarra criatura Epidexipteryx, um pequeno dinossauro coberto por uma plumagem macia e dotado de quatro longas plumas em sua cauda. Os paleontólogos agora começam a pensar que suas especulações não eram ousadas o bastante, e que as penas eram na verdade bem comuns nos dinossauros. 

A descoberta de dinossauros com penas não só apoiou a ideia das formas transicionais, como também mostrou que a evolução tem maneiras de fazer surgir uma fascinante variedade de soluções quando não fazíamos nem ideia de que havia problemas. O voo pode ter sido nada mais que uma oportunidade adicional que se apresentou a criaturas já revestidas por penas. 

Referências
Chen, P.-J., Dong, Z.-M. & Zhen, S.-N. Nature 391, 147–152 (1998).
Zhang, F., Zhou, Z., Xu, X., Wang, X. & Sullivan, C. Nature 455, 1105–1008 (2008).
Recursos adicionais
Gee, H. (ed.) Rise of the Dragon (Univ. Chicago Press, 2001).
Chiappe, L. Glorified dinosaurs (Wiley-Liss, 2007).
Gee, H. & Rey, L. V. A Field Guide to Dinosaurs (Barron’s Educational, 2003).

Jóias da Evolução: Registros Fósseis 2

2 Da água para a terra


De todos os animais, estamos mais familiarizados com os tetrápodos - eles são vertebrados (têm coluna vertebral) e vivem sobre a terra. Incluem-se nisso humanos, quase todos os animais domésticos e a maioria dos animais selvagens que uma criança reconheceria imediatamente: mamíferos, aves, anfíbios e répteis. A vasta maioria dos vertebrados, entretanto, não é de tetrápodos, mas de peixes. Há mais tipos de peixes, na verdade, que todas as espécies de tetrápodos somadas. De fato, pela lente da evolução, os tetrápodos são apenas mais um ramo da árvore genealógica dos peixes, um ramo cujos membros são adaptados para a vida fora da água.

A primeira transição da água para a terra aconteceu há mais de 360 milhões de anos. Foi uma das transições que necessitou de algumas das maiores mudanças já feitas na história da vida. Como nadadeiras se tornaram pernas? E como as criaturas transicionais lidaram com as formidáveis exigências da vida terrestre, da secura do ambiente à esmagadora gravidade?

Pensava-se que os primeiros terrícolas foram peixes que se encalhavam e evoluíram de modo a passar mais e mais tempo em terra firme, voltando à água para se reproduzirem. Ao longo dos últimos 20 anos, paleontólogos desenterraram fósseis que viraram essa ideia de cabeça para baixo. Os tetrápodos mais antigos, tais como o Acanthostega da Groenlândia oriental de cerca de 365 milhões de anos atrás, tinham pernas completamente formadas, com dedos, mas retiveram brânquias internas que se secariam facilmente se fossem expostas por muito tempo ao ar. Os peixes evoluíram pernas muito tempo antes de subirem à terra. Os tetrápodos mais antigos passaram a maior parte de sua evolução no ambiente aquático mais clemente. Subir à terra parece ter sido a última etapa.

Os pesquisadores suspeitam que os ancestrais dos tetrápodos eram criaturas chamadas elpistostegídeos. Esses peixes grandes, carnívoros de água rasa, se pareceriam bastante (até no comportamento) com jacarés ou salamandras gigantes. Eles aparentavam ser tetrápodos em muitos aspectos, exceto pelas nadadeiras que ainda tinham. Até recentemente, os elpistostegídeos eram conhecidos apenas por pequenos fragmentos de fósseis pobremente preservados, então foi difícil completar um esboço de como eles eram.

De poucos anos atrás até aqui, várias descobertas na ilha Ellesmere na região de Nunavut no norte do Canadá mudaram tudo isso. Em 2006, Edward Daeschler e seus colaboradores descreveram fósseis espetacularmente bem preservados de um elpistostegídeo conhecido como Tiktaalik, que nos permite reconstruir uma boa imagem de um predador aquático com similaridades distintas com os tetrápodos - de seu pescoço flexível à sua estrutura de barbatana semelhante a um membro.

A descoberta e a análise exaustiva do Tiktaalik iluminam a etapa anterior à evolução dos tetrápodos, e mostram como o registro fóssil é uma caixa de surpresas, embora as surpresas sejam completamente compatíveis com o pensamento evolutivo.


Referências
Daeschler, E. B., Shubin, N. H. & Jenkins, F A. Nature 440, 757–763 (2006).
Shubin, N. H., Daeschler, E. B., & Jenkins, F A. Nature 440, 764–771 (2006).
Recursos adicionais
Ahlberg, P. E. & Clack, J. A. Nature 440, 747–749 (2006).
Clack, J. Gaining Ground (Indiana Univ. Press, 2002)
Shubin, N. Your Inner Fish (Allen Lane, 2008)
Gee, H. Deep Time (Fourth Estate, 2000)
Página de Tiktaalik: http://tiktaalik.uchicago.edu
Sites dos autores
Edward Daeschler: http://www.ansp.org/research/biodiv/vert_paleo/staff.php
Neil Shubin: http://pondside.uchicago.edu/oba/faculty/shubin_n.html

Jóias da Evolução: Registros Fósseis 1

1 Ancestrais terrestres das baleias

Os fósseis oferecem pistas cruciais para a evolução, porque revelam as formas frequentemente notáveis de criaturas há muito desaparecidas na Terra. Alguns deles até documentam a evolução em ação, ao registrar criaturas em trânsito entre um ambiente e outro.

Baleias, por exemplo, estão belamente adaptadas à vida na água, e têm sido assim por milhões de anos. Mas como nós, são mamíferos. Elas respiram ar, dão à luz e amamentam seus filhotes. Mas há boas evidências de que os mamíferos evoluíram originalmente sobre a terra seca. Se é assim, então os ancestrais das baleias devem ter se mudado para a água em algum momento.

Acontece que temos fósseis numerosos dos aproximadamente dez milhões de anos iniciais da evolução das baleias. Nesses se incluem vários fósseis de criaturas aquáticas como Ambulocetus e Pakicetus, que têm características agora vistas apenas em baleias - especialmente a anatomia do ouvido interno - mas também têm membros como os dos mamíferos terrestres dos quais eles claramente derivaram. Tecnicamente, essas criaturas híbridas já eram baleias. O que estava faltando era o começo da história: as criaturas terrestres das quais as baleias evoluíram mais tarde.


Um trabalho publicado em 2007 pode ter apontado com precisão este grupo. Chamados de raoelídeos, essas criaturas agora extintas seriam parecidas com pequenos cachorrinhos, mas eram mais intimamente relacionadas aos ungulados com número par de dedos [artiodáctilos] - o grupo que inclui vacas, ovelhas, veados, porcos e hipopótamos modernos. Evidências moleculares também sugeriram que baleias e ungulados com número par de dedos compartilham uma profunda afinidade evolutiva.


O estudo detalhado de Hans Thewissen e colaboradores em NEOUCOM, Rootstown, mostra que um raoelídeo, Indohyus, é similar às baleias, mas diferente de outros artiodáctilos em relação à estrutura de seus ouvidos e dentes, à espessura de seus ossos e à composição química de seus dentes. Esses indicadores sugerem que essa criatura do tamanho de um guaxinim passava bastante tempo na água. Raoelídeos típicos, entretanto, têm uma dieta bem diferente da dieta das baleias, o que sugere que o estímulo para a mudança para a água pode ter sido a mudança de dieta.
 

Esse estudo demonstra a existência de potenciais formas transicionais no registro fóssil. Muitos outros exemplos poderiam ter sido ressaltados, e há toda razão para se pensar que muitos outros estão para serem descobertos, especialmente em grupos que estão bem representados no registro fóssil. 

Referência
Thewissen, J. G. M., Cooper, L. N., Clementz, M. T., Bajpai, S. & Tiwari, B. N. Nature 450, 1190–1194 (2007).
Recursos adicionais
Thewissen, J. G. M., Williams, E. M., Roe, L. J. & Hussain, S. T. Nature 413, 277–281 (2001).
de Muizon, C. Nature 413, 259–260 (2001).
Novacek, M. J. Nature 368, 807 (1994).
Zimmer, C. At The Water’s Edge (Touchstone, 1999).
Vídeo da pesquisa de Thewissen: www.nature.com/nature/videoarchive/ancientwhale
Site do autor
Hans Thewissen: www.neoucom.edu/DEPTS/ANAT/Thewissen